segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A bomba nuclear do FMI: um confisco generalizado

Recorro com frequência à leitura dos escritos de Juan Rámon Rallo, doutor em economia, colunista e director do Instituto Juan de Mariana, com sede em Madrid, para tentar não me deixar adormecer pelo torpor e engano. Tendo ainda ontem aqui recordado qual foi a origem do FMI (como já tinha feito com Rallo neste curto vídeo), vem a talhe de foice assinalar a publicação de dois documentos pelo FMI onde se aventa a hipótese de avançar com um imposto sobre a riqueza das famílias como forma de "resolver" a gigantesca dívida pública acumulada (que não pára de subir tanto em Espanha como em Portugal). Num artigo cujo título roubei para encimar este post, Rallo volta a profetizar que "a insustentável acumulação de dívida pública terminará com o saque dos cidadãos", encontrando nos próprios documentos do FMI uma sustentação à outrance dessa tese. Rallo escreve especificamente sobre o caso espanhol mas a situação espanhola não difere muito da nossa pelo que me pareceu útil promover a divulgação do seu artigo. A tradução é da minha responsabilidade.
"O FMI, essa daninha burocracia internacional que deveria ser encerrada o mais rapidamente possível, alertou na semana passada para os problemas de sustentabilidade da dívida das empresas em Espanha, Itália e Portugal. No juízo desta organização [documento 1], a alavancagem de uma parte das nossas empresas continua demasiado elevada para que possam, folgadamente, fazer frente às suas obrigações; debilidade financeira que, por sua vez, continua a comprometer a credibilidade e a solvência dos seus principais credores, ou seja, dos nossos bancos.

Documento 1
Não tardou que a imprensa aproveitasse as críticas do FMI para repetir essa litania tão recorrente nos últimos anos: os problemas de Espanha devem-se à sua dívida privada, não à sua dívida pública. Litania que, com o passar dos anos, se foi revelando bastante menos certeira: sim, a crise deveu-se a uma acumulação desproporcionada de dívida privada orquestrada por esse monopólio público chamado banco central; e sim, mesmo hoje o nosso sobreendividamento privado continua a ser um dos principais responsáveis pela nossa estagnação; mas o problema do endividamento privado irá permanecer, ano após ano, um problema comparativamente menor face ao cada vez mais explosivo problema da dívida pública.

Sem ir mais longe, no final de 2008, 48% de toda a dívida não financeira de Espanha era dívida das empresas; 34% era dívida das famílias e apenas 18% era dívida pública. Desde então, porém, a situação mudou radicalmente: a dívida das empresas e das famílias diminuiu em 325 mil milhões de euros, enquanto a do Estado aumentou em 515 mil milhões. Note-se, de resto, que se trata de dívida não financeira, ou seja, dívida que não inclui a dos bancos (não é verdade, portanto, que a dívida privada se tenha reduzido quando a dívida pública aumentou em resultado dos resgates [bancários]). Temos assim que a dívida das empresas representa hoje 36,3% do total, a das famílias 28,5% e a pública 35,2%. O mais preocupante, no entanto, é que esta última continua a crescer à velocidade de cruzeiro, sem que se antecipe um fim para esta tendência.

Documento 2
Com efeito, a gravidade da situação da nossa dívida pública não escapa ao Fundo Monetário Internacional que, no seu mais recente relatório sobre a fiscalidade [documento 2], não apenas constata "a acentuada deterioração das finanças públicas" em muitos países europeus, como chega ao extremo de considerar a possibilidade de aplicar um imposto especial de 10% sobre a riqueza líquida dos cidadãos. Não que o Fundo seja um entusiasta decidido desta forma de roubar os cidadãos, mas apresenta-a como uma alternativa legítima perante um outro roubo - uma inflação elevada - e perante uma outra fraude - o repúdio da dívida. Roubo nos três casos.

No final, no entanto, o Fundo apenas nos mostra a sua verdadeira face, que nada tem a ver com o liberalismo - como clama o discurso intervencionista - mas sim com o estatismo radicalizado: o objectivo final é subordinar toda a riqueza dos indivíduos às necessidades financeiras do Estado. Não sou eu que o digo, é o que reconhece com uma franqueza inquietante o ideólogo deste imposto extraordinário e no qual se apoia o FMI, Stefen Bach: "Os níveis elevados da dívida pública deveriam ser analisados relativamente aos activos estatais e à elevada dívida privada. Isto também se aplica aos países em crise. A riqueza privada deveria ser crescentemente utilizada para desactivar uma crise de dívida. As famílias com maior riqueza e rendimento deveriam ser chamadas a refinanciar e a reduzir o volume da dívida pública através de empréstimos compulsórios e de impostos sobre o capital".

No mínimo, a franqueza de Bach serve para confirmar algo que venho dizendo há algum tempo: a insustentável acumulação de dívida pública terminará com o saque dos cidadãos. O próprio Bach estima que a riqueza líquida dos alemães - supondo um mínimo de isenção de 250 mil euros por pessoa, 100 mil por criança e cinco milhões de euros por empresa - equivale a 92% do PIB na Alemanha, de modo que um imposto de 10% só iria reduzir a dívida pública total em 9,2%. Ou dito de outra forma, um imposto tão brutal como o proposto pelo FMI apenas serviria para financiar pouco mais de um ano do défice público espanhol.

Afinal, o FMI só vem oficiar a remoção do cadáver, o corpo que todos mataram. A acumulação insustentável de dívida para satisfazer os mais variados desperdícios populistas e o ingerível Estado social europeu tem, desde logo, muitos pais; a consequente emissão da sua factura, bastante menos. O FMI discute abertamente e sem rebuço o roubo como uma opção legítima para pagar a bolha estatal que poucos na Europa advogam perfurar; mas não percamos de vista que semelhante roubo tem as suas raízes na maciça emissão de dívida pública que hoje Rajoy continua a levar a cabo por se recusar a reduzir o gigantesco volume de despesa pública que nos tolhe. Causa e consequência: a despesa pública não é grátis. A rapina tributária sobre a riqueza privada é apenas uma das várias opções possíveis para equilibrar as contas, na ausência de reduções na despesa. E eu vos afirmo: todas as opções possíveis para fazer frente à dívida, excepto a que passa por uma enérgica redução do tamanho do sector público, são péssimas opções. Será que iremos insistir no esbulho futuro?"

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